quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Sou como a minha boneca



Era uma vez uma boneca diferente de todas as bonecas do mundo. Diferente porque não era de plástico. Porque não era de porcelana. Porque não era de vidro. Nem de outro material como as bonecas das lojas de brinquedos ou dos hipermercados.

     Esta boneca era diferente porque era feita de um material muito especial, muito fofo. Tão fofo, tão fofo, que parecia uma ursinha. Uma boneca ursinha de pêlo castanho muito claro. Pois ela mal conseguia vestir vestidos, porque ficava muito gorda com o seu corpo peludo. Mal conseguia calçar sapatos, porque os pés inchados não cabiam neles. Não conseguia usar chapéus, porque o cabelo escuro em carapinha, era tão grande, que era quase o dobro dela.

    As meninas viam-na sentada num sofá da sala da escolinha e diziam:

- Que boneca tão feia! Parece uma macaca peluda!
- Não quero brincar com ela! Mete medo!
- Não é bonita como as outras bonecas!
    Ela tinha uma cara fofinha. Tão fofinha que apetecia apertar-lhe as bochechas. Os olhos eram cor de mel, redondos como duas bolachinhas. O nariz era abatatado como o de um palhacinho e a boca tinha um sorriso muito grande. Parecia tão simpática, mas para as meninas não era bonita, por ser diferente.
      A boneca estava sempre sozinha, sem que alguém quisesse brincar com ela. Passava os dias sentada a olhar para as outras bonecas que andavam de mão em mão, de colo em colo, de carrinho em carrinho, tornando as meninas felizes.
    Os dias passavam e a boneca via as meninas a ir para casa. Não olhavam para ela, nem queriam pegar nela. Apenas as educadoras lhe sacudiam o pó e voltavam a colocá-la no mesmo lugar.
    Porém houve um dia que chegou à escola uma menina que não conhecia ninguém. Chamava-se Celinda e os olhos dela eram da cor das amêndoas, os lábios vermelhos e rechonchudos da cor dos morangos. O nariz abatatado esticava-se num rosto muito moreno.
     Era uma linda menina, mas não queria falar com ninguém. Não queria brincar com as outras meninas, mas elas também não brincavam com ela porque a achavam diferente, e ela encostava-se a um cantinho, um pouco triste e não sorria todo o dia.
     Às escondidas da professora, as meninas eram más para a Celinda e chamavam-lhe nomes estranhos, que a boneca não percebia:
- Celinda…catinga!
- Mulatinha da Guiné!
- Carapinha sempre em pé!
- Pé de chulé!
    As meninas riam de Celinda. Faziam-lhe partidas e chamavam-lhe nomes feios. Zombavam dela por ter uma cor diferente. Uma cara diferente. Umas mãos diferentes.
      A boneca, sentada no seu sofá, admirava Celinda, sozinha e triste.
      Então, houve um dia, que a menina finalmente reparou nela. Aproximou-se devagar, e sem medo. Depois tocou-lhe no corpo fofinho e sorriu, mostrando um sorriso lindo, que as outras meninas não viram.
     Segurou a boneca e embalou-a nos braços, encostando-a de vez em quando ao rosto.
- És tão linda, minha ursinha! – Disse, muito feliz.
    Sentou-se no chão da sala e começou a brincar com a boneca, falando com ela.
- Não és de ninguém, pois não? Agora és minha, a minha boneca.
    Levantou-a ao ar e colocou-a em cima do pescoço.
- És mesmo fofinha! Porque que é que não gostam de ti, boneca ursinha? Até me podes aquecer no inverno!?
    As outras meninas pararam de brincar para olhar para elas. Depois aproximaram-se lentamente. Uma sentou-se de pernas cruzadas ao lado dela e perguntou-lhe:
- Achas que essa boneca é bonita?
- Não é só bonita! É muito macia e fofa! Pega nela!
    E a menina pegou na boneca, encostando-a depois à cara dela.
- Faz-me tantas cócegas, mas é fofinha! Que linda é a minha boneca ursinha!
    As outras meninas também quiseram pegar nela e sentaram-se à frente de Celinda, curiosas, pondo as suas bonecas de lado. 
- Como é que se chama? – Perguntou uma delas, brincando com os caracóis da carapinha.
- Não sei, mas vou-lhe chamar Ursara! – Disse Celinda, sorrindo. – Se é uma boneca ursinha! Vai ser a minha Ursara!
- Que nome giro!
- Tu até és parecida com ela! Pareces a mamã dela!
- Sou mesmo! – Riu Celinda. – Sou como a minha boneca!
- Podemos brincar todas juntas com as nossas bonecas. – Sugeriu uma outra menina.
- Viva a Celinda e a sua boneca! Viva! Vivam as nossas bonecas também! – Festejou uma das meninas, que começou aos saltos com a sua boneca.
     As meninas pularam de felicidade. Então Celinda começou a brincar com elas e a trocar a sua com outras.
     Ursara estivera ali tanto tempo e nenhuma das meninas a vira. Teve que aparecer uma menina diferente para a tornar igual a todas as bonecas da sala.
     A partir daquele momento seriam todas iguais, as meninas e as bonecas.
 

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