Coloco esta pergunta imensas vezes e reflito sobre ela esporadicamente quando me vejo perante certas situações.
Eu sou daquelas pessoas que tiveram o privilégio de viver sem tecnologias e olharam com desconfiança a proliferação delas. A forma agressiva com que entraram na nossa vida, sem pedir licença alguma. A maneira com que nos obrigam a uma atualização permanente e a uma adaptação instantânea, doutro modo, ficaríamos à deriva e ultrapassados pelos outros. Confesso que o telemóvel foi uma daquelas invenções da modernidade que me assustou. Cómoda e prática, confirmo, para qualquer urgência ou necessidade; acessível, quando me procuram e facilmente me encontram; intrusa, porque me invade a vida em qualquer lugar e a qualquer momento. Mas o telemóvel, em todas as suas modalidades inovadoras e caras, que nem me interessa saber as suas funcionalidades, é mais do que tudo isto, é invasor e transformador das interações sociais das pessoas. Consegue ser simultaneamente um meio de contacto imediato com as pessoas e um inibidor de relações interpessoais, quando funciona como um meio de isolamento familiar e social. Ocupa muito do tempo que antigamente se tinha para conversar ou qualquer outra atividade interessante.
O que pensar quando vês uma criança de três ou quatro anos, a sair de um carro, numa estrada perigosa, amparada pelo avô, para não atravessar a rua às cegas, com os olhos literalmente colados no telemóvel ou ao tablet?
O que pensar da distração, stress e aceleração em que as pessoas vivem, mesmo na condução, sempre a deitar olho ao telemóvel, pondo em risco a sua e a vida dos outros?
O que pensar dos jovens que andam distraidamente pelos passeios, atravessam estradas, andam de bicicleta, sempre de phones na cabeça, que não se apercebem do que os rodeia e se colocam em risco constantemente?
O que pensar quando falas com um jovem, julgando que te escuta, e tens que lhe dar um toque num braço, porque te apercebes que não te está a escutar, mas com os phones nos ouvidos?
O que pensar quando vais sossegada na rua e escutas sem querer a vida de toda a gente alto e a bom som?
O que pensar quando vês que quem te rodeia usa aquele objeto de uma forma viciante?
O que pensar quando estás numa sala de espera no dentista e vês seis pessoas dos oito ao sessenta, todas entretidas com o seu telemóvel, e és a única que não estás vidrada naquele objeto, a jogar, a dedilhar as páginas das redes sociais, mas a deliciar-te com a música na televisão?
Tens vontade de cantar alto. Tens vontade de provocar consciências. Tens vontade de dizer, quando escutas que estão a falar sozinhos com o objeto, que estão em risco de ter problemas de saúde mental!
Conseguia viver sem o telemóvel?
Eu, sim, mas duvido que milhões de pessoas no mundo conseguissem. Não se libertam dele por nada na vida. O telemóvel acorda-os; o telemóvel agenda-os; o telemóvel dá-lhes as notícias, o tempo, a música, etc.; o telemóvel é um meio para nos dar alegria e frustração; o telemóvel lembra-os de tudo, exceto de viver a vida sem ele.
Óbvio que, como qualquer ser humano, o uso para contactar e estar contactável, para enviar mensagens e receber, mas, por opção, decididamente, para pouco mais do que isso. Ainda consigo resistir a perder o meu tempo com esse objeto.
Podem chamar-me antiquada, mas gosto muito mais de conversar e rir com quem falo, do que estar a falar com alguém, e sentir que essa pessoa não está ali, mas com os olhos dedicados a procurar respostas e conversas de outras pessoas no telemóvel.
Eu era capaz de abdicar deste objeto e tu?